❤ Em algumas vezes até o teimoso coração escuta a mente | Crônica
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Se
aquecendo debaixo das cobertas enquanto observava a janela ela entendeu porque
sempre preferiu o verão. Os dias ensolarados com ocasionais chuvas rápidas e
refrescantes ejetavam uma dose de animo e bem estar a mais em seu humor, tinha
que admitir. Não que deixasse de ser como uma chaleira prestes a explodir em
toda a energia e animação que eram praticamente sinônimos do seu nome durante o
restante das estações, afinal, uma esfriada no clima ainda não era suficiente
para diminuir toda a energia em ebulição que a criativa, sorridente, elétrica e
por vezes exagerada Amália tinha. Pelo menos era o que seus amigos sempre
diziam, e sorrindo por lembrar como eles sempre afirmavam isso com um misto de
sorrisos zombeteiros, cúmplices e carinhosos enquanto observava o tempo fechado
do lado de fora, ela sequer ousou discordar. No entanto, não podia negar que no
verão sentia como se uma dose extra de endorfina fosse liberada em seu corpo. Riu
novamente com a última observação do seu cérebro agitado.
Contudo,
o outono e inverno desse ano não foram uma dupla muito favorável ao bom humor e
animação característicos de Amália. Não mesmo. Quer dizer, desistir
(finalmente! Pensava seu cérebro que fazia questão de lhe alfinetar) de um amor
a muito não reciproco não deveria ser tão doloroso quando sua mente e razão já
indicavam há tempos à necessidade de fazê-lo. Porém, aparentemente seu coração
teimoso não concordava com ela, pois doía, céus como doía. E sequer entraria no
mérito de como era irônico seu coração resolver erguer a bandeira branca para a
guerra que travava com sua razão e declara-la vencedora justamente em setembro.
Ah! Claro, o outono sempre precedia o cinzento inverno e este por sua vez
estava tão intenso e cinza nesse ano quanto os sentimentos que tentava deixar
para traz.
Quem
diria que os sentimentos que a faziam flutuar e suspirar pelos cantos seriam os
mesmos que a deixariam com um irritante nó na garganta e a fariam se sentir sem
chão de uma maneira que nada tinha a ver com flutuar de felicidade? Em meio aos
seus devaneios chegou a conclusão de que amar é incrível e belo, que não há
nada de errado em querer dar o seu amor a alguém, esperar alcança-lo e receber também
amor em troca. E então percebeu a palavra chave bem no final do seu devaneio:
também. Touché! Ali estava a palavrinha que naquele contexto indicava
reciprocidade. Palavra bonita inclusive, com certeza ia favorita-la não apenas
no seu vocabulário, pensou Amália arqueando as sobrancelhas castanhas e bem
delineadas. Começava entender a linha tênue entre perseverança e teimosia.
Quer
dizer, tinha que admitir que nos último meses estava sendo teimosa. Sabia que
as conversas sempre iniciadas por sua parte, mas levadas sem muita intensidade
por ele ou as tentativas de aproximação e demonstração dos seus sentimentos
sempre deixadas de escanteio eram um ótimo e claro sinal para esquecer por um
momento o que o coração queria e dar ouvidos a sua mente. Sim, sabia que a
partir dessas observações o que sua mente lhe dizia era bem mais inteligente e
sensato. O problema era explicar isso para o seu derretido coração que a essa
altura suspirava com direito a trilha sonora e mini corações flutuantes toda
vez que seus olhos pousavam na figura alta, gentil, divertida e extremamente
cativante que Amália jurava ter saído de um dos seus livros de romance.
Mas
se tinha algo que intrigava a mulher de cabelos castanhos médios, deitada
confortavelmente na sala de seu apartamento ainda com seu pijama azul era
quando exatamente se cansou de estar solo em um romance que deveria ter dois
protagonistas? Foi acontecendo tão gradualmente que não percebeu quando passou
de mocinha apaixonada para diretora exigente e gritou que cortassem as
gravações. Não sabia quando, mas ainda bem que trocou os papeis. Depois que o
coração entra em convergência com a mente e entende que a teimosia só vai
machucar ainda mais, as coisas ficam um pouco mais fáceis. Não indolores, mas
de alguma forma mais fáceis.
Sorriu
aos constatar que era libertador. Libertador saber que não iria mais fantasiar
diante as mínimas coisas e atitudes dele que ela enfeitava como uma árvore de
natal com possíveis significados favoráveis aos seus sentimentos, mas que no
final era apenas sua imaginação fértil trabalhando. Era libertador saber que
apesar de doer estava amadurecendo, se priorizando, que logo não precisaria
engolir um bolo de sentimentos toda vez que o visse e que seu coração estava
abrindo espaço para que algo bom e reciproco chegasse no devido tempo. Um fato
era perceptível e animador: Doía menos agora que no início do outono em
setembro. Sentia-se como uma árvore que viu suas folhas caírem no outono para
depois enfrentar um rigoroso inverno, mas que fortaleceu suas raízes e estava
pronta para que a primavera chegasse e revelasse suas mais belas e perfumadas
flores. Afinal as evoluções da vida aconteciam assim, de dentro para fora.
Amália sentiu vontade de levantar e fazer a dancinha da vitória no meio da
sala, mas o frio a fez permanecer quente entre as cobertas por mais alguns minutos.
Pausou
Missão Madrinhas de Casamento que já estava na metade, amava esse filme desde a
adolescência e as comédias românticas estavam sendo ótimas aliadas nesse
inverno. Levantou-se do sofá empurrando
a coberta creme e felpuda para o canto e foi até a cozinha verificar se o leite
já havia fervido e se o chocolate meio amargo que tanto gostava já havia
derretido para enfim poder se deliciar com um chocolate quente, sua bebida
preferida no inverno. Acrescentou creme de leite e alguns marshmallows que pasmem
tinham sobrado desde o natal. O que era um grande feito para alguém que amava
doce como ela e todo o restante da sua família, exceto seu irmão mais velho que
ela acreditava piamente que deveria ser pesquisado pela NASA, quer dizer, quem
não gosta de doces?
Quando
voltou a sala Amália percebeu que fracos raios de sol entravam através da
grande janela de vidro pela primeira vez no dia ainda que já fossem três da
tarde. Sorriu aos constatar que o inverno daqui a dois meses teria que ceder
espaço para a primavera em março, que por sua vez precedia o verão. E Amália
não via a hora de ir até Rue Saint-Louis e trocar os chocolates quentes
por sorvetes de baunilha da Berthillon...
2 comments
Me senti libertado quando li seu texto, continue sempre!
ResponderExcluirObrigado por melhorar a minha noite. Forte abraço! ;)
Oiê! Muito obrigada :) fico feliz que o texto tenha te tocado de alguma forma <3
Excluirabraços!